* Sérgio Ricardo de França
Coelho
Depois de muita polêmica, a
Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou no dia 13 de novembro o PL n. 31,
de 2012, de autoria do governo estadual, que autoriza em todo o estado, que
Policiais Militares sejam contratados em horário de folga para atuar em funções
de segurança contratadas por prefeituras. Criada em 2009, o projeto conhecido
como Operação Delegada (ou bico oficial) passou a permitir que policiais em
horário de folga pudessem ser contratados pela prefeitura da capital paulista.
Na sequência, em 2011, um convênio foi firmado com Mogi das Cruzes, e agora
será possível oficializar em todo estado o "bico" de PMs, que estarão
autorizados a atuar em todas as prefeituras que aprovar legislação específica.
Segundo o texto enviado pelo Executivo aos deputados, o princípio da cooperação
entre os entes federados garante a possibilidade de transferência total ou
parcial de encargos, com isso permitindo uma “melhor gestão” do serviço
público.
Respeitando todas as
opiniões, favoráveis ou contrários à medida, é preciso ponderar sobre a visão e
objetivos de longo prazo que pairavam sobre a mente dos que idealizaram tal
mediada. Por trás desta iniciativa está o fato de que a municipalização da
Policia Militar começou a ser pensada e planejada há pelo menos duas décadas.
Esta visão foi defendida
pelo pensamento estratégico da cúpula da PM a partir do reconhecimento de que o
modelo brasileiro de segurança pública caminhava para o “inevitável” colapso.
Os oficiais mais próximos do Comando Geral da época temiam pelo fortalecimento
crescente das teses que defendiam a municipalização da segurança pública no
Brasil.
No inicio da década de 90
crescia a corrente entre os próprios oficiais, que os estados federados teriam
a cada ano, mais dificuldade em continuar suportando praticamente sozinhos,
todos os custos do sistema de segurança pública, que além das policias, é
composto também, pela justiça estadual e o sistema prisional. Estes juntos, em
2011 consumiram mais de R$ 20 bilhões, o equivalente a 18% do orçamento do estado
de São Paulo naquele ano. Em 2013 a conta chegará próximo dos 20% ultrapassando
os 35 bilhões de reais, e o pior: Ainda assim os recursos continuarão muito aquém
do necessário para a eficiência do sistema, já que de concreto, só na capital houve
um crescimento de 102,82% no número de pessoas vítimas de homicídio no mês de
setembro, em comparação ao mesmo período do ano passado. Em todo o Estado, a alta
foi de 26,71% no mesmo período. São Paulo é o Estado com maior déficit de vagas
no sistema prisional do país com déficit de 74.026 lugares. Ou seja: Em nosso
modelo de segurança os Estados fazem de tudo e ao mesmo tempo não conseguem
fazer “Bem” quase nada. Afinal, quem arriscaria recordar um único caso que em
meio a alguma crise, o governo ou chefes de policia tenham admitido problemas e
dificuldades para controlá-la? Este reconhecimento vem apenas depois que deixam
seus cargos e assim a vida segue, com a defesa da tese dos “casos isolados e
problemas pontuais”. Nossa justiça seria lenta em casos isolados? Nosso sistema
prisional é Medieval – como disse o Ministro da Justiça - em fatos pontuais?
Nossas policias mantém grupos de extermínio, redes de corrupção, efetivo com
alto nível de stress, suicídio, desmotivação e baixos rendimentos em casos
isolados e pontuais?
Em recente entrevista a
Folha de S. Paulo, quando questionado sobre o recorde de pedido de demissões na
corporação nos últimos 10 anos (440 entre janeiro e outubro), o comandante da
PM afirmou que eram "boatos". Porém, ao ter conhecimento dos números
informados pela própria PM por meio da Lei de Acesso à Informação, mudou o
discurso e afirmou que os dados não o preocupam. “Nosso ‘turnover’
(rotatividade) é baixo”. Temos quase 100 mil policiais e menos de 0,5% pediram
exoneração. Isso é sempre reposto", argumentou. Porém se considerado o
numero de ingressos anuaís (cerca de 1.000 / ano) o índice seria de 44%. Todos estes
números revelam a verdade dos problemas de gestão de nosso sistema e dois indicadores
são os mais alarmantes: Os índices de criminalidade e o sofrimento da classe
policial.
Temos assistido o governo
comprovar neste assunto, a tese de que uma mentira dita muitas vezes passa a
ser assumida como verdade. Daí a conclusão que os oficias da PM anteviram o
caos. Reconheceram no inicio dos anos 90, que se tornava imperativo
estar à frente dos fatos, iniciando o
processo de municipalizar a PM, em defesa do “Status quo”, em detrimento da
municipalização da segurança.
Estes oficiais da PM, homens
de notável inteligência, construíram uma estratégia de longo prazo, abrindo
caminho para o que hoje é vulgarmente conhecido como Bico Oficial, ou Função Delegada, mesmo que essa
medida transfira a conta aos municípios e aos agentes da policia.
Nós já escrevemos em outras
oportunidades sobre a competência com que a PM consegue defender seus
interesses institucionais. Mas também temos dito que a defesa destes interesses
corporativos tem minado, a cada ano, o sistema de segurança pública do Brasil e
o cenário que temos hoje não deixa margem de dúvida sobre isso.
Alguém já se perguntou por
que a capital paulista não melhorou seus índices de segurança, já que foi a
primeira cidade brasileira a implantar tal medida e com total apoio do prefeito
Gilberto Kassab? Em centenas de cidades brasileiras os custos com aluguéis de
delegacias e quartéis, manutenção de viaturas e combustíveis, alojamentos e alimentação
entre outros já estão a cargo dos municípios. Assumir os salários seria o
próximo passo.
Aos municípios tem cabido o
ônus de assumir despesas e nenhum poder de gestão do sistema, além de continuar
não recebendo qualquer tipo de compensação financeira dos estados.
A classe política,
lideranças e autoridades ainda não compreenderam que a segurança pública opera
como um “Sistema” e como tal, depende da ação conjunta e combinada de
legislação, políticas de prevenção, inteligência, agencias de fiscalização e recursos
humanos próprios, requerendo assim, de cada esfera governamental, eficiência na
gestão do próprio sistema.
O que a PM vem fazendo ao
longo dos anos com muita competência, para sobrevivência da “Casta” de
Oficiais, se resume a passar a conta do sistema estadual ao sistema municipal,
pois como já foi dito aqui, anteviu o colapso na gestão do sistema em que está
inserida. Em Santos, a adoção da função delegada prevê um impacto de quase 1
milhão de reais por ano a folha de pagamento. O mais trágico é saber que mais
esse custo não poderá garantir maior eficiência ao sistema, nem melhor
qualidade de vida aos praças, pois a questão do aumento na remuneração dos PM´s
é apenas um dos gargalos a ser enfrentado, fato que a carreira policial no
Brasil não tem atraído profissionais para a instituição, e sabemos que este
cenário não se alterará com a institucionalização do bico.
Já escrevi em outros
artigos, que a tese da municipalização também não será solução, pois, os
municípios não teriam a mínima condição de assumirem isolados a tal atribuição.
É possível usarmos este momento de crise para efetivar as mudanças que nosso
sistema exige e a descentralização do sistema brasileiro é o único caminho.
Com a reorganização dos
sistemas estaduais, é possível promover a valorização das atividades
especializadas nas policias e o enxugamento das estruturas, combinar o aumento
de responsabilidade e de recursos aos municípios respeitando autonomia das esferas
administrativas. Efetivar a integração das agencias nos três níveis com maior distribuição
territorial dos efetivos, traduzindo os resultados em aumento de eficiência na gestão
de todo sistema nacional.
Mas quais seriam os
obstáculos para essa mudança? O desafio em partilhar os recursos e a resistência
em compartilhar o poder.
Ainda assim é possível
superar estes obstáculos se o espírito de estadista daqueles que detém poder no
sistema superar o interesse pela defesa corporativista.
* Sérgio Ricardo de França
Coelho, Guarda Municipal de Santos, pesquisador e consultor em segurança pública
municipal , é diretor Presidente do Instituto IPECS de Segurança Pública
Municipal , foi Coordenador do Departamento de Segurança da Cruz Vermelha,
fundador e presidente nacional da União Nacional dos Guardas Municipais do
Brasil entre os anos de 98 e 2006, e Secretario Geral do Conselho Nacional das
Guardas Municipais – CNGM entre os anos de 2005 e 2011.
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